Tive a oportunidade de trabalhar no famosinho Mr Wong. É um
dos restaurantes mais badalados de Sydney.
Tudo é muito rigoroso, por isso não consegui tirar foto da cozinha... pena! Mas ela funciona toda atrás dessa foto de patos!
A equipe é formada por chefs super experientes que buscam
nesta experiência uma fusão de sua cultura com a asiática. Mas muitos deles
infelizmente caem no stress e se esquecem o sentimento que os levou até ali.
Entrei ajudando um italiano na seafood section, eu abria
20kg de camarão todos os dias. No primeiro dia demorei 2 horas, no segundo 1
hora e 40 minutos e assim eu ia cronometrando e me desafiando a cada dia, no
final eu fazia em 30 minutinhos as duas caixas de camarão, guardava e
etiquetava. Este italiano é bem gente boa, me ajudou muito, deu várias dicas,
desde o começo.
Um dia eu estava lá cortando cebolinha (cortava muito todos
os dias), o chef me falou que queria que eu começasse a cozinhar. Me chamou
para trabalhar na Salt and Pepper section com uma coreana naquela noite, eu
aceitei. Fui e acho que consegui fazer. Não foi aquela maravilha (rs) mas não
fiz nenhuma cagada máster!
Então na semana seguinte ele me colocou dois dias double
para trabalhar com a equipe da Larder Section, eu não iria mais trabalhar com o
chef italiano, mas agora com duas chefs coreanas – mulheres! E assim eu conheci
o verdadeiro modo de operação do restaurante.
Os chefs passam todos gritando na cozinha, eles gritam
BEHIND e andam rapidamente como se o mundo fosse acabar se não conseguissem
atravessar a cozinha naquele momento. Dizer BEHIND quando se está passando
atrás de alguém na cozinha é uma prática necessária, assim evitamos muitos
acidentes. Mas ali naquele restaurante chinês, a palavra é gritada com um tom
diferente. Notei que os gritos a mim e aos mais novos eram mais altos e
enfáticos ao passo que entre colegas antigos de casa eles dispensavam o grito e
somente diziam baixo “Behind”. E quando eu percebi esse fato, comecei a
observar o que tinha por trás de cada maneira de falar e de agir daqueles chefs,
porque ali se aplicava a cultura disseminada pelo Chef Dan Hong que é um dos
chefs estrelados da Austrália.
Dan é um chef australiano que nasceu em um restaurante
viatnamese de sua família e passou por diversos restaurantes em Sydney e depois
em NY até se tornar Executive Chef de três grandes restaurantes do Grupo
Merivale.
Sua veia asiática está presente em cada detalhe do Mr Wong.
Toda a cozinha foi planejada por ele: uma máquina chinesa que não pára nem para
se alimentar!
O head chef ou o executive chef, quem estiver no turno,
chega por volta de 9-10horas da manhã no restaurante e tem uma primeira função:
garantir que o staff esteja alimentado as 11hrs. Assim o café da manhã é
servido todos os dias as 10:30h. E nunca é um pão com manteiga, é uma sopa com
cogumelos, frango, ou um macarrão na sopa, um frango ensopado com arroz e
temperos asiáticos... bastante variado o menu!
Esta é a hora mais tensa do dia, o staff está focado em
preparar o “Set-up” porque o serviço começa as 11:30h. Então rapidamente cada
um controla seu tempo e tira 3 minutos para ir ali, pegar um bowl com comida e
voltar a sua estação de trabalho. São muitos detalhes a verificar, ninguém pode
perder tempo com a comida, então mal olham o prato enquanto comem, estão
abrindo freezers, verificando listas, fazendo backup enquanto engolem
colheradas daquele café da manhã.
E assim começa o serviço. O chef mais experiente fica do
lado de fora da cozinha. A cozinha é dividida em 7 seções, cada seção tem no
mínimo 2 chefs, quando o garçom pega o pedido da mesa, automaticamente
sai um papel na maquina de cada seção com o que ela deve produzir, mas por
exemplo sai lá mesa 50 salada X, o cozinheiro não consegue ver mas a mesa tem
outros pedidos junto com a salada X então ele não pode começar a prepara-la,
fica on-hold, isso é na cabeça do chef. Então na hora certa o Head Chef canta o
número da mesa e todas as seções começam a marchar para servir. Ele controla
todos os pedidos, sabe os tempos de cozimento de cada ingrediente do cardápio,
assim ele vai cantando as mesas a serem servidas e coordenando junto ao staff
do salão o que será levado a cada mesa.
Tem um microfone na ponta da cozinha onde está o Head Chef e
ele dita todas as regras por lá. A cozinha é aberta e o público pode ver a
máquina funcionando.
A máquina é: staff é composto por 28 chefs, 4 ajudantes de
louça e 1 ajudante para lavar todos os vegetais. 4 câmaras frias: uma para
frangos, uma câmara de congelados, uma para prep ao lado da cozinha e uma outra
para ingredientes no andar de baixo, junto com a Dry Store. 2 salas de
pré-preparo: uma para peixes e frutos do mar outra para os demais.
A cozinha não é tão grande, ela é inteligente. Em formato de
U com fogões e woks no centro, esse formato permite que todos os chefs possam
se comunicar e se ver durante o serviço. Os freezers de cada seção tem gavetas
e dentro delas containers organizados perfeitamente com os ingredientes
pré-preparados, colocados de forma inteligente e rápida para os chefs usarem.
Tive a oportunidade de ser uma pequena peça dessa máquina
por 8 semanas. Então o chef me chamou para conversar e explicou que eu era um
recurso caro pra ele uma vez que eu trabalhava 20 horas por semana que lhe
custava 400 dólares ao passo que ele poderia ter um chef full-time por 780
dólares e meu visto aqui na Austrália só me permite trabalhar 20 horas
legalmente. Eu estava evoluindo sim mas que eles realmente precisavam de chefs
mais experientes do que eu naquele momento. Tudo bem, entendo... Business!
Bom e ainda por admirar grandiosamente essa cultura, eu
tenho algumas “lições” dessa experiência...
1- Os mais velhos tem sempre razão, na cozinha, se
um funcionário mais velho de casa quer passar por perto de você, ele pede
licença gritando BEHIND e você deve abrir espaço para ele;
2- Don’t be sorry! – Pedir desculpas não adianta,
tudo o que um novato faz é cagada, ninguém pode se desculpar o tempo todo, o
importante é você não repetir um erro;
3- Todos irão te corrigir, você pode até estar no
caminho certo, mas sempre cabe um comentário. As vezes falam de forma rude, que
ofende, mas este é o jeito deles de ensinar;
4- Não existem feedbacks, pedi por eles várias
vezes, queria saber se estava evoluindo, recebi um “yes, ok”;
5- O respeito só se conquista profissionalmente, os
chefs ali irão te respeitar se te admirarem profissionalmente;
O trabalho foi duro, carreguei muito peso, algumas vezes fui
humilhada, ouvi muitos gritos e indelicadezas, mas o aprendizado foi muito
grande, tudo valeu a pena!
Como eu disse no começo, alguns chefs ali acabam por se
deixar envolver negativamente com a pressão e esquecem o real motivo, e a
paixão que os fez querer aquele trabalho.
Eu vi isso acontecendo comigo, quando estava na Larder Section, sofria muita pressão das chefs que trabalhavam comigo, elas gritavam
pega isso, pega aquilo, corre, está devagar! Eu estava com tanta pressa que
esquecia de dizer “bom dia” para os outros chefs, ia falar “oi” na hora do
almoço após ter trabalhado uma manhã inteira com eles. Desde as 8 da manhã
quando chegávamos, tudo era feito com muita pressa, máxima precisão e cuidado,
na hora que o Head Chef ligasse o motor, as peças tinham de estar no lugar
certinho preparadas para servir os clientes.
Mas após dois dias me sentindo mal e me desculpando com a
ajudante dos vegetais por não ter dito bom dia, eu vi que eu quero sim ser
rápida como aqueles Chefs, quero ser boa como eles, os admiro muito, mas não
quero perder meu sorriso no rosto e minha vontade de acordar e ir trabalhar
feliz!