Tenho recebido e-mails e mensagens de meninos novos apaixonados por cozinha me pedindo ajuda de como crescer e se desenvolver na carreira no Brasil e por este motivo dedico hoje essa matéria a estes e outros que buscam ansiosamente descobrir fontes de aprendizado em gastronomia.
Eu sou Engenheira de Alimentos graduada pela Unicamp e confesso que em 2001 escolhi este curso em busca dessa mesma resposta. Em 2005 quando me formei eu estava um pouco decepcionada com o curso, pois ali aprendi muito sobreSegurança Alimentar e produção industrial de alimentos, mas eu não me identificava com todos aqueles processos, para mim alimentos se colhem na terra e não nas prateleiras dos supermercados.
Comecei então uma trajetória de busca incessante por conhecer como se preparavam os alimentos de forma a manter suas melhores características de aroma, sabor, textura e valor nutricional. E a resposta concreta só veio 5 anos depois, em 2010 quando concluí que cozinhar é um ato de amor e conheci Julia Child, a maior representação do amor em forma de comida que já se viu na história da gastronomia.
Julia Child foi a primeira Chef mulher a se formar pelo Le Cordon Bleu de Paris, quando acompanhava seu marido em um desafio profissional na França. Julia foi aluna dedicada e logo que se formou começou a dar aulas de cozinha ali mesmo em Paris para turmas pequenas a preço baixo (3 euros na época), somente para ressarcir custos com ingredientes, ela desejava treinar, repetir as receitas francesas, muitas e muitas vezes afim de se aprimorar como Chef e professora.
Oito anos depois, de volta aos Estados Unidos, seu país de origem, ela publicou o primeiro livro de culinária francesa na língua inglesa e ao apresentar seu livro em um programa de TV, ela fez uma omelete francesa ao vivo. Aquela demonstração de amor na cozinha encantou aos americanos que pediram por um programa de Julia na televisão. Desde 1950 até os dias atuais seus programas ainda são transmitidos na TV norte-americana. Ela foi exemplo de uma vida dedicada à gastronomia, desenvolveu produtos orgânicos e produziu um efeito sob os norte-americanos que ninguém antes havia conseguido: levá-los de volta a cozinha!
Foi assim que em 2010 eu larguei a carreira de Engenharia e fui morar em Uberlândia/MG para fazer um test-drive como profissional de cozinha.  Me deparei com uma carreira linda porém muito mal remunerada, sabia ali que para me destacar no mercado eu deveria seguir os passos de Julia: estudar no Le Cordon Bleu, considerada uma das melhores escolas de cozinha do mundo ainda nos dias atuais.
Seguindo o ditado popular “às vezes é preciso dar um passo para trás para andar dois a frente”, em 2012 voltei a São Paulo onde tinha um sólido curriculum em planejamento financeiro de Engenharia e ganhei um bom dinheiro, que me proporcionou realizar o sonho da escola francesa.
De volta ao Brasil em 2013 fui em busca de mais estudos, acreditava que uma segunda graduação em Gastronomia por uma escola brasileira poderia me agregar ainda mais conhecimento e relacionamento no meu país. Pesquisei e analisei diversos programas de cursos e acabei por não me arriscar em nenhum deles, eles pareciam artificiais e não me passavam confiança. Depois disso conheci muitos profissionais recém-formados por escolas brasileiras diversas e percebi que eu tinha feito a escolha certa.
Sou brasileira e bastante patriota, mas para esta profissão ainda estamos muito atrasados. Nosso mercado é precário, falta muito profissionalismo e isso tudo se deve ao fato de nosso melhores chefs, que são considerados estrelas no mercado mundial, estarem mais preocupados em brilhar suas próprias estrelas do que construir a estrela brasileira a brilhar como conjunto.
Nossos jovens cozinheiros vêm em sua maioria de uma vida muito simples, sem instruções de como se posicionar profissionalmente no ambiente de trabalho e para terem sucesso em qualquer grande carreira deveriam aprender isso na faculdade. Infelizmente ainda não encontrei nenhuma instituição brasileira que ofereça essa base profissional de forma forte e marcante como tive no Le Cordon Bleu.
Um exemplo que parece banal mas tem muito significado está em lamber os dedos enquanto cozinha. Me lembro claramente de uma situação em que eu estava no Le Cordon Bleu montando um prato de sobremesa e a calda de frutas vermelhas escorreu em meu dedo indicador e eu imediatamente o levei a boca, lambendo-o como assistia a diversos chefs brasileiros fazerem, um ato inconsciente, automático. Alguns minutos depois eu estava em um canto cercada por cinco professores me fazendo prometer que aquela tinha sido a última vez que lambia meus dedos em uma cozinha. Eles me mostraram a tamanha falta de higiene que eu havia cometido, que colheres estão ali para me servir como instrumento de experimentar a comida, que meus dedos não eram objeto para tocar a comida alheia e portanto eu jamais poderia levá-los à boca, esse seria um ato de desrespeito com o comensal.
Além de toda a base profissional que estudei no Le Cordon Bleu, tive também a oportunidade de conviver com chefs formados por diversas escolas internacionais pelo mundo todo e nunca os vi lamber os dedos enquanto cozinhavam. Esta foi a prova para mim de que as escolas internacionais tem um diferencial de profissionalismo quando comparadas às escolas brasileiras.
Quando converso com estes jovens que me procuram para indagar sobre escolas que devem cursar e indico escolas internacionais, eles argumentam que estudar fora do país custa muito caro e que não poderiam arcar com os custos. A minha resposta já tornou-se padrão “quem quer fazer algo, encontra uma maneira, quem não quer, encontra uma desculpa”. Eu também não tinha como pagar uma escola internacional na época, morava em Uberlândia tinha um salario de 600 reais e encontrei minha maneira. Me orgulho muito das noites mal dormidas em que busquei, pesquisei, procurei e estudei, até que conheci duas instituições internacionais que premiam apaixonados por gastronomia com bolsas de estudo no mundo todo, são elas James Beard Foundation e The Culinary Trust. Cada uma tem seus critérios para avaliar os premiados e as inscrições são abertas somente uma vez por ano: no primeiro semestre, entre fevereiro e maio.
Em maio de 2012 eu recebi a resposta do The Culinary Trust em que fui agraciada com  uma dessas bolsas de estudo e me atirei no mercado internacional onde pude perceber que a maturidade dessa profissão em outros países mais desenvolvidos que o Brasil proporciona um salario normal, nem alto, nem muito baixo como por aqui. Estudar fora pode custar caro, mas lá o estudante tem condições de trabalhar e pagar sua escola, fato que não acontece por aqui, as mensalidades dos cursos de gastronomia no Brasil giram em torno de 2 mil reais e os salários de cozinheiros aprendizes e auxiliares de cozinha em torno de 900 reais por mês.
A história que construí para realizar meu sonho está toda registrada em meu blog (link) e espero que ela possa inspirar mais e mais pessoas a estudarem no exterior e nos trazerem o profissionalismo de que precisamos no Brasil.
E como “no Brasil tudo acaba em pizza”, vamos também encerrar esta matéria com uma receita maravilhosa e paixão nacional: Pizza Portuguesa! (Receita da massa eu aprendi no Le Cordon Bleu, de um prato chamado Pissaliére, uma pizza de massa fina e crocante recheada com anchovas e azeitonas pretas servida em formato quadrado como aperitivo ou entrada).
Assista também o vídeo com esta receita AQUI.
Pizza Portuguesa
Ingredientes massa:
10g de fermento biológico fresco
1 colher de chá de açúcar
1 pitada de sal
200g de farinha de trigo
1 ovo
1 colher de sopa de azeite
50mL de água morna
25g de semolina

Ingredientes recheio:
2 tomates maduros em cubos
500g de mussarela ralada
100g de presunto ralado
½ cebola em meias rodelas
1 ovo cozido cortado em fatias
azeitonas a gosto

Modo de preparo massa:
1- Dissolva o fermento em açúcar e sal, deixe descansar por 5 minutos, adicione a água morna, o azeite, o ovo e misture até ficar homogêneo;
2- Coloque a farinha em uma tigela e faça um buraco no meio, adicione os líquidos e mexa até que se forme uma massinha. Retire da tigela e leve para uma superfície plana, de mármore por exemplo;
3- Amasse com firmeza a massa com a parte inferior da palma da mão, dobrando-a ao meio e pressionando;
4- Deixe a massa descansar por 20 minutos, irá dobrar de tamanho;
5- Espalhe semolina sobre uma superfície lista e abra a massa. Deixe-a tão fina que quase transparente. Polvilhe também semolina na assadeira para a massa não grudar.
Modo de preparo do recheio:
1-    Refogue os tomates em um fio de azeite e deixe-os apurar no fogo até que se desmanchem e formem um molho.
2-    Cubra a massa com esse molho, depois adicione mussarela ralada, presunto ralado e disponha as fatias de cebola e ovos. Adicione as azeitonas inteiras ou fatiadas, como preferir.
3-    Leve ao forno médio para assar por 10-15 minutos.