Julgam-se uns aos outros como canibais! Deixam que o Ego os cegue a novos caminhos e novos aprendizados, mas como podem ser assim arrogantes? Ainda nem sabem qual tipo de sapato usar na cozinha! Vestem-se com um perigoso “All Star” de pano, postam fotos nas redes sociais como se sapato de pano e outras peças “estilosas” pudessem compor o uniforme dos chefs.
Me lembro de uma de minhas primeiras aulas da escola a professora explicava o motivo de cada peça daquele lindo uniforme branco com emblema azul, e explicando sobre a calça xadrez larga de pano não inflamável ela disse “Eu também queria ser fashion, usar calça colada no corpo e mostrar minhas lindas pernas para aqueles homens fortes que me cercavam na cozinha, mas depois que entendi que ser fashion significava risco de me ferir eu preferi manter minhas lindas pernas sem marcas de queimadura”. E é exatamente isso que a calça jeans estilosa por baixo daquela dólmã fará com tuas pernas caso algum acidente aconteça na cozinha.
Esse assunto é tratado com muita seriedade no mercado internacional e parece não importar ao brasileiro que está habituado a trabalhar com a calça jeans cheia de bactéria vinda da rua, uma dólmã bem bonitinha e fashion muitas vezes grudada no corpo mais do que deveria, a falta de um avental e o tal tênis de pano.
Cozinhas não são passarelas, são ambientes naturalmente perigosos, lidamos com fogo o tempo todo, o risco de um acidente é mais alto do que imaginamos. E sempre que vier a sua mente “não vai acontecer comigo” saiba que está entrando para o time da bunda xadrez arrebitada que cita a Nina Horta no texto “Menos Chefs, menos” publicado em novembro de 2013.
Um verdadeiro Chef não está preocupado com sua beleza estética nem de seus pratos a serem publicados nas revistas da moda. Ele está preocupado com a segurança de sua equipe devidamente uniformizada, com as temperaturas das câmaras frias, com a segurança alimentar dos comensais que chegam ao restaurante, com a limpeza e organização da cozinha, com a coleta de lixo e entrada de alimentos de alta qualidade em seu restaurante e se, depois de tudo isso, seu serviço for impecável, os comensais amarem sua comida e te admirarem profissionalmente daí sim a foto da revista da moda será conseqüência e com certeza ela será linda e todo o resto do sucesso que deseja virá junto com ela, pois seu “jardim” está bem cuidado.
Voltando ao texto de Nina Horta, que escreve há 25 anos na Folha de São Paulo, ela cita como tudo mudou com a chegada dos primeiros chefs franceses 1980 “O cozinheiro brasileiro mudou. De cara, pelo menos. Limpo, toque na cabeça, ideias, nem tanto; poucos os bons e muitos os convencidos de que são bons. E como podem ser arrogantes! O que não precisa incomodar a ninguém, acontece que isso impede o aprendizado e a melhoria da nossa comida de restaurante.”
Eu complementaria dizendo isso trava a evolução da cozinha brasileira aos padrões internacionais de alta gastronomia.
Erramos pelo exemplo! Nossos chefs aprenderam que ser um bom Chef é ser uma “estrela de Hollywood” e assim preocupam-se mais com sua aparência física, com buscar patrocinadores e suas fotos em revistas do que com todo o resto. Aprendemos com o exemplo que ganhar dinheiro com a gastronomia significa “prostituir-se” em propagandas mais preocupados com o cachê do que com o produto.
É de conhecimento geral que os salários dos chefs no Brasil são ruins, e não poderia ser diferente já que as primeiras cozinheiras brasileiras eram escravas… a motivação está toda nos resultados e no coração dos cozinheiros, infelizmente isso não se reflete nas contas bancarias, mas isso nos dá o direito de nos “prostituir” ao mercado? Atitudes como esta só nos trarão salários mais baixos ainda e menos reconhecimento pois tudo o que falta para mudarmos esse mercado é profissionalismo!
Os sinais de profissionalismo não começam ao se intitular chef ou cozinheiro, eles começam com o uso do uniforme consciente: as regras de uso dele já foram estabelecidas por volta de 1890 na França, onde todo o profissionalismo gastronômico surgiu e é lá que temos que buscar o exemplo. O uniforme de cozinheiro foi estabelecido com o objetivo de garantir a segurança do profissional em seu local de trabalho, é padrão, e usado todos os dias no mundo todo como EPI (equipamento de proteção individual). Para equipe de cozinha ele deve ser composto por: sapatos de material não inflamável que não derrete (Crocs é proibido!), meias, calça xadrez larga o suficiente com elástico na cintura para ser retirada com facilidade e rapidez em caso de acidentes, dólmã BRANCA com dupla camada de tecido na região do peito com 12 botões, avental de cintura para proteger o cozinheiro contra acidentes na região da cintura e abaixo, amarrado da forma correta para ser rapidamente retirado em caso de acidentes e também usado como “ajudante” para dependurar panos de prato que devem estar sempre a mão, um lenço no pescoço para segurar o suor nas costas e o clássico chapéu na cabeça para proteger a comida de receber cabelinhos indesejados.
Então desde a chegada de Laurent Saudeau e Claude Troigros, os primeiros chefs franceses no Rio de Janeiro, a história da gastronomia como profissão começa a fincar suas raízes. Ainda engatinhando aos seus 30-34 anos a história da gastronomia brasileira é hoje ditada por “chefs propaganda” que se mostram ainda muito imaturos diante de tradições francesas de 120 anos. Assim pergunto aos topetudos: quem é o verdadeiro chef? Cozinheiro quando patrocinado vira chef? Sim porque o cara que acabou de se formar, não importa a escola, é aqui chamado de cozinheiro, se ele tem grana para investir em agências de publicidade e mídia para se auto promover e conseguir patrocínios ele vira automaticamente chef? E a base? A escola? A disciplina? O uniforme? Será que algum dos protagonistas dessa história poderia dar um depoimento em jornais internacionais se orgulhando de alguma escola de cozinha brasileira?
Termino novamente com frase de nossa querida Nina Horta: “Por favor, mestres-cucas, deixem cair a máscara da face. Ao estudo! Falta muito tutano para poderem arrebitar esse nariz e empinar essa bundinha xadrez. Menos, por favor, menos.”
Falando em profissionalismo e tradição nossa receitinha de hoje não poderia ser diferente, uma receitinha secular de Brioche francês!
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