E eu estou apaixonada por cada lacinho vermelho… Eu AMO o Natal, é uma das datas em que eu me sinto mais feliz e realizada. Desde 2006 quando minha vózinha faleceu e eu assumi o cargo de cozinheira da família, venho preparando a ceia completa sozinha! Alguns anos tenho a sorte de ter ajuda de uma prima ou outra mas na maioria do tempo estamos eu e minhas panelas cantarolando e preparando a refeição mais esperada do ano: a noite do dia 24!
E esse sentimento lindo que invade meu coração tem uma origem: a Dona Maria, como era chamada minha avó. Na família nem havia discussão onde se passaria a noite do dia 24, sempre era com a vovó na casa dela em Ituiutaba/MG. Uma casa simples aconchegante com um quintal enorme cheio de árvores. Tinha caju, goiaba, chuchu e até um pé de bucha. Sabe o que é isso? Bucha vegetal que dá em árvore… Acho que poucos dos meus leitores devem conhecer, é assim ó: link.

Bucha vegetal
E assim a casa da vovó era tão aconchegante que não faziam falta os enfeites de Natal. Ela tinha lá uma arvorezinha prateada com bolas brilhantes na sala de entrada, mas era só uma simbologia para colocarmos os presentes.
Chegávamos na casa da vó Maria para ceiar por volta de 9 horas da noite e acabava que o cheiro da comida nos invadia de tal forma que quando víamos ainda nem era meia noite e já estávamos devorando os últimos pedacinhos do lombo.
Ah o lombo recheado da vó Maria… era a estrela da noite! Um lombo caipira suculento temperado 2 dias antes com o delicado limão cravo, recheado com uma mistura de batatas, cenouras, ovos cozidos e azeitona. O desafio era encontrar nas redondezas de Ituiutaba um porco grande que desse um lombo de tamanho suficiente para ser “retalhado”. Retalhar o lombo é abrí-lo na horizontal, fazendo um caracol no centro dele. Depois de dois dias dormindo com o limão cravo em uma cama de cebolas em rodelas o lombo era recheado e assado lentamente em forno baixo. Ele demorava cerca de 3 horas para assar e era regado impreterivelmente a cada dez minutos. “Se deixar passar, ele seca” – dizia a vovó que passava o dia 24 todinho em volta do fogão, assim como eu faço hoje!
Apareciam outros elementos ilustres em nossas ceias mas dependia de doações dos tios fazendeiros porque a leitoa tinha de ser caipira “se não, não presta” – dizia a nossa grande Chef. Chegava essa época do ano, meados de novembro ela começava a pedir para todos que lhe trouxessem uma leitoa, e as vezes dávamos sorte e tínhamos a deliciosa leitoa a pururuca da vovó. Nossa, essa também era de arrancar suspiros!
Acontece que com o tempo os filhos da Dona Maria começaram a achar que preparar tudo aquilo era muito esforço pra uma senhorinha de mais de 80 anos e por isso ela deixou de ser presenteada com a leitoa, mas a velhinha era danada e dava um jeito de arrumar um lombo caipira!
Acho que eu tinha uns 18 anos quando manifestei pela primeira vez a vontade de aprender a receita do lombo. Ela negou sem nem pensar: “uai, se eu te ensinar o lombo vou servir pra que no Natal?”. E eu entendi que o lombo não era ali um prato , era uma forma de materializar seu amor na noite de Natal. Alguns anos depois, quando ela já estava bem debilitada, já morava na casa da tia Maria Helena e não conseguia ficar longos períodos em pé, ela me ensinou o lombo. Por própria iniciativa ela falou pra eu comprar um lombo que iríamos preparar juntas e assim passamos momentos deliciosos ao “retalhar” o lombo, lembro dela de bengalinha do meu lado dizendo os movimentos que eu deveria fazer com a faca. No dia seguinte recheamos e assamos o lombo, não era Natal mas foi como se fosse…
Naquele mesmo passamos o dia 24 no hospital com ela sem o lombo… dia 25 ela teve uma melhora e no dia 26 ela se foi, deixando uma saudade especial na data que ela tanto gostava e por é isso que eu amo tanto o Natal, me dedico tanto e quero poder oferecer amor além da minha família. Já fechei algumas encomendas de pratos para noite do dia 24 e acho que minha avó se orgulharia muito de ver o espírito natalino que colocou no coração desta neta!
E a receitinha de hoje não poderia ser outra: Lombo da vovó!

Lombo recheado da vó Maria
Lombo caipira recheado da vó Maria
Ingredientes:
1 lombo caipira grande (largo)
6-8 limões cravo espremidos
1 colher de sopa de banha de porco
600g de cebola picada em rodelas
2 colheres de sopa de sal

Para o recheio:
2 batatas grandes cozidas al dente cortadas em cubos
3 cenouras cozidas cortadas al dente em cubos
250g de azeitona verde sem caroço picada
4 ovos cozidos

Modo de preparo:
Abra o lombo fazendo um caracol, de tal forma que ele fique parecendo um bife gigante (rss). Então disponha o lombo em uma assadeira, tempere com o suco de limão cravo e sal. Monte sobre ele uma cama de cebola, e passe um filme plástico e deixe na geladeira marinando. Após 6 horas de marinado, vire o lombo para que o outro lado também tenha contato com a cebola. Após no mínimo 12 horas de marinado, recheie o lombo.
Para o recheio: Cozinhe os legumes e os ovos, corte em cubos e misture, adicione um pouco do caldo do lombo.
Coloque o recheio no centro da carne e feche-a como se fosse um rocambole. Amarre com barbante ou costure as laterais da carne com uma linha grossa. Em uma panela aqueça o líquido do marinado com 1 colher de sopa de banha e regue o lombo. Leve ao forno baixo com papel alumínio, e a cada dez minutos regue-o com o líquido da assadeira.
Caso queira simplificar o processo, coloque o lombo para assar dentro de um saco próprio para assar e leve ao forno. Vire o saco a cada 30-40 minutos para garantir que o líquido rega a carne o tempo todo.
Após 2,5 horas retire o papel alumínio e deixe dourar, porém não deixe de regar! Se estiver usando um saco, retire-o do saco neste momento e deixe dourar e novamente: não deixe de regar a cada dez minutos!